Um dia após o anúncio de restrição nas exportações russas de diesel e gasolina, empresas têm reportado a suspensão de carregamentos em portos, o que pode prejudicar o fluxo de diesel para o Brasil, inclusive de cargas já contratadas, disseram fontes do mercado e analistas ao Estadão/Broadcast.
Mais do que uma alta geral nos preços internacionais das commodities em função de menor oferta no curto prazo, fica patente a ameaça ao abastecimento de países como o Brasil.
No caso do diesel, o Brasil importa mais de 20% do volume que consome. E, como em agosto três em cada quatro litros de diesel trazidos para o País (74%) tiveram origem russa, segundo dados do governo federal, alguma escassez de combustível pode ser enfrentada, diz o especialista da consultoria de preços Argus, Amance Boutin. Ainda assim, pondera ele, a tendência é que o fornecimento russo não demore a se estabilizar, o que vai limitar no tempo os efeitos do decreto do Kremlin.
Na quinta-feira, 21, Ramon Reis, presidente da maior importadora de diesel russo para o Brasil, a Nimofast, disse ao Estadão/Broadcast ter contratos de 12 meses com fornecedores russos, um prazo considerado longo, e que seu fluxo de produto não deve ser interrompido à frente.
Mas fontes do mercado se dizem céticas a essa continuidade de fluxo a importadores e distribuidoras brasileiras, por acharem que a proibição de importação com efeito imediato abarca não só o mercado spot (imediato), como cargas contratadas há mais tempo.
Segundo essas fontes, não só a Nimofast tem trazido produto russo. Nos últimos meses, pequenos importadores e distribuidores de todos os portes fizeram o mesmo movimento.
Escoamento ameaçado
Boutin compartilha do temor. Ele destaca que a Transneft, empresa de transporte e oleodutos estatal da Rússia reportou a suspensão de embarques em portos, que passam a ficar “fechados” para combustíveis.
É o caso do porto de Primorsk, a maior porta de saída de petróleo e derivados russos no mar Báltico, inclusive para o Brasil. Outro porto na mesma situação é o de Novorossiysk, no Mar Negro, a porta de saída para exportações à Turquia, principal compradora de diesel russo no mundo hoje.
Para o Brasil, diz Boutin, outro ponto de escoamento do produto é o porto de Ust-luga, também no Báltico e sobre o qual ainda não se tem notícia de paralisação da atividade. O mesmo movimento de restrição de saída em portos russos foi verificado pela também consultoria de preços Stonex.
Caso as restrições afetem cargas encomendadas para o Brasil, diz o especialista da Argus, importadores e distribuidores brasileiros terão de “correr” para antigos fornecedores, do Golfo do México (EUA), comprando mais caro, ou pedir à Petrobras mais volume, o que tende a não ser atendido, já que o fornecimento interno da estatal costuma estar tomado pela carteira de clientes e não teria grande elasticidade no curtíssimo prazo.
A Petrobras trabalha com encomendas ancoradas no consumo passado dos clientes, o que praticamente impossibilita destinações inéditas ou aumento repentino nas entregas.
Para efeito de preços, a escalada das referências internacionais, do petróleo bruto e agora do diesel, pressiona a Petrobras por reajustes em seus preços de refinaria ou por mais importações próprias a fim de estabilizar o mercado doméstico. Ainda assim, o diretor financeiro da estatal, Sergio Caetano Leite, disse nesta sexta-feira, 22, a uma agência de notícias internacional que a companhia segue “confortável” com a importação de combustíveis e ainda “não ultrapassou os limites de seu túnel de volatilidade para o petróleo”.
Segundo ele, a Petrobras permanece com sua política de suprimir a volatilidade dos preços de curto prazo dos combustíveis, mesmo após a disparada nos preços do barril do tipo Brent.
Preços do diesel
Segundo a Argus, que acompanha o preço efetivo de negociações, o prêmio sobre o preço do petróleo nos portos brasileiros disparou e há recuo por parte dos ofertantes de cargas, que assumiram posição de cautela para avaliar as tendências do mercado no momento.
Para Boutin, na quarta-feira, antes do anúncio russo, cargas de diesel eram negociadas no porto de Paranaguá com prêmio de R$ 620 por metro cúbico sobre o preço Petrobras, usado como referência. Na quinta, embora não tenha havido negócios, esse prêmio tinha saltado para R$ 1,1 mil por metro cúbico, um aumento de R$ 480/ m³ ou 77,4%, equivalente a R$ 0,48 por litro, que afastou compradores.
A Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom) calcula que a defasagem entre os preços de refinaria da Petrobras e a referência de importação (PPI) por ela precificada avançou para 17% ou R$ 0,76 por litro no diesel, e 8% ou R$ 0,23 por litro na gasolina. Embora tenham subido na margem, essas defasagens já foram maiores poucos dias atrás, animadas pelas altas no preço do Brent.