A indústria de petróleo e gás poderá sair perdendo com a Reforma Tributária, alertam entidades empresariais do setor e uma nota pública das comissões especializadas da seção do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ). O risco estaria na possibilidade de extinção do Repetro, o regime aduaneiro e tributário especial do setor de petróleo e gás.
O Repetro foi instituído no contexto da quebra do monopólio da Petrobras, em 1997. Dá isenção de imposto de importação nos investimentos em equipamentos para a indústria petroleira, como plataformas de exploração em alto-mar.
Para os advogados da OAB/RJ, o relatório da Reforma Tributária proibirá regimes como o Repetro. Isso porque o texto, apresentado no último dia 22, estabelece “que o IBS não será objeto de medidas que resultam, direta ou indiretamente, em carga tributária menor”, diz a nota, divulgada na semana passada.
A criação do IBS, um dos dois Impostos sobre o Valor Agregado (IVA) previstos, é um dos pilares da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que vai mudar a sistemática da cobrança de impostos no Brasil. O IBS será subnacional, unificando tributos sobre o consumo que hoje ficam a cargo dos municípios e dos estados, o ISS e o ICMS. O outro IVA, federal, foi batizado de CBS e unificará três tributos: PIS, Cofins e IPI.
Para os advogados da OAB/RJ, do jeito que está o relatório da PEC, “serão inviabilizados os regimes aduaneiros especiais por compreenderem a dispensa e suspensão dos tributos incidentes sobre a importação”.
Regime especial é fundamental, diz OAB/RJ
O problema, segundo o alerta, é que o Repetro é fundamental para atrair investimentos na exploração de petróleo e gás no país. Assim como outros regimes especiais, o mecanismo serve como exceção ao complicado sistema tributário nacional. Com o Repetro, a carga tributária no Brasil fica mais ou menos equiparada às de outros países produtores.
– Tem muitos benefícios a PEC 45 (que reforma o sistema tributário), é indiscutível como ela pode, sim, trazer um sistema uniforme, mas ela colocar tudo numa caixa única… Somos um país de exceção, ainda somos um país em desenvolvimento – afirmou Jeniffer Adelaide Marques Pires, sócia do escritório Kincaid Mendes Vianna e presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/RJ.
Na visão de Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio, um dos problemas do atual sistema tributário é a combinação de regras muito complexas com um grande número de exceções, para vários setores.
– Cancelar todos os regimes de exceção, para depois renegociar a volta, pode ser mais complicado do que manter os regimes, negociar a reforma, e depois analisar as exceções caso a caso – afirmou o professor.
Sistema taxa investimentos
Conforme Almeida, sem exceções como o Repetro, o sistema tributário nacional taxa excessivamente os investimentos. No caso da indústria petrolífera, isso afasta investidores.
Em primeiro lugar, porque os investimentos iniciais na prospecção são bilionários e geram receita anos depois, quando os campos de fato começam a produzir. Em segundo lugar, porque os projetos de investimento competem globalmente. Por isso, é importante deixar a carga tributária do Brasil em linha com as de outros países produtores.
Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, autor de um estudo, de 2020, que estimou impactos positivos das mudanças no crescimento econômico, pondera que o novo sistema desonerará os investimentos e, no caso da indústria petrolífera, as exportações de derivados de petróleo.
No primeiro caso, embora, por causa do Repetro, os investimentos sejam desonerados atualmente, na prática existe um “resíduo tributário por conta da cumulatividade”, ou seja, por causa da cobrança de tributos sobre tributos. Por isso, disse o economista, o custo de investir no setor tenderá a cair, mesmo sem o Repetro.
Efeitos positivos não compensam, diz entidade
Nesse ponto, Almeida, da PUC-Rio, chama a atenção para outra especificidade da indústria petrolífera. Dadas a complexidade dos projetos e a globalização das cadeias de fornecedores, não é fácil determinar o que é ou não investimento em maquinário, pois boa parte dos investimentos se dá na forma de prestação de serviços, como afretamento de navios e plataformas, e operações de importação temporária. O Repetro alivia a tributação sobre essas situações específicas.
Na avaliação da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro), os esperados efeitos positivos da Reforma Tributária, como simplificação, aumento da progressividade e redução da cumulatividade (quando há cobrança de tributo sobre tributo), “não compensam a eventual extinção do Repetro”.
“Os investimentos no setor de petróleo requerem que regras, sob as quais eles foram aprovados, sejam mantidas, já que são decisões de investimentos de bilhões de dólares”, diz uma nota enviada pela entidade ao GLOBO.
Sem regime especial, haverá US$ 120 bi a menos em investimentos até 2030, diz IBP
Para justificar a necessidade de manter um regime de exceção para a indústria petroleira, a nota das comissões da OAB/RJ cita dados do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entidade que representa as petroleiras. Segundo um relatório publicado em março de 2022, o IBP defende a continuidade do Repetro, sem citar possíveis mudanças no sistema tributário atual.
“Sem o Repetro, o Brasil poderá deixar de produzir até 2,8 milhões de barris por dia em 2030, o que significará retornar aos patamares de 2017, deixando de acrescer à produção futura um valor equivalente à produção atual”, diz um trecho do relatório.
A estimativa do IBP é que essa frustração de produção implicaria também na frustração de US$ 120 bilhões em investimentos em dez anos, “saindo de uma média de US$ 19 bilhões por ano para quase US$ 6 bilhões por ano entre 2021-2030”. A nota das comissões da OAB/RJ enfatiza os impactos para a economia do Rio, maior produtor nacional de petróleo e gás.