“Ninguém gosta de juros elevados, nem o Banco Central”, afirmou esta semana o próprio presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Mas, para que a taxa básica de juros do país, a Selic, desça do atual patamar de 13,75% ao ano, será preciso resolver uma série de nós que alimentam a inflação.
Estes vão da reoneração dos combustíveis ao aumento previsto para o salário mínimo, passando pela persistência do núcleo de inflação em patamares elevados. Pesa ainda o que alguns analistas veem como dependência, por parte do BC, das projeções do mercado para a inflação.
Economistas ressaltam que a autoridade monetária precisará de cautela em sua política monetária, diante do cenário de resiliência dos preços no país. Dados do BC compilados pela consultoria Tendências apontam que a média dos núcleos de inflação — medida que a autarquia costuma observar, pois exclui o impacto de itens cujos preços são mais voláteis — está em 8,62% no acumulado em 12 meses até janeiro.
Alta nos serviços
Para Luiza Benamor, analista da Tendências Consultoria, o patamar ainda elevado da média dos núcleos de inflação justifica a Selic em 13,75%. E o fato de a média dos núcleos ter ficado bem acima do índice cheio, de 5,77%, mostra que o recuo no IPCA se deve, em parte, a fatores temporários, como a redução dos impostos sobre combustíveis.
A retomada dos tributos federais (PIS/Cofins e Cide) está prevista para março — no caso dos estaduais, isso ainda não foi definido. Os preços de combustíveis balizam outros custos da cadeia logística, o que acaba por disseminar a inflação.
A Tendências estima que a reoneração dos combustíveis deve elevar o IPCA anual em 0,7 ponto percentual. Além disso, o reajuste de 7% da gasolina às distribuidoras, em janeiro, vai impactar os preços de combustíveis, com um repasse de pelo menos metade desse percentual ao consumidor. Assim, a consultoria reviu suas projeções para o IPCA no fim deste ano de 5% para 5,8%.
Outro nó é o reajuste do salário mínimo, para R$ 1.320, em maio. Isso terá um efeito cascata nos preços de serviços.
— Grande parte dos trabalhadores brasileiros no setor de serviços ganha salário mínimo, e isso afeta o custo das empresas. Elas repassam uma parte desse custo para os preços do setor, que segue muito aquecido pós-pandemia — explica José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos.
Luiza, da Tendências, diz que as projeções para a inflação de serviços passaram de 5,7% para 6,1%, devido ao reajuste do salário mínimo:
— Esperamos que a inflação de serviços volte a acelerar mais para o meio do ano.
Felipe Sichel, economista-chefe do banco Modal, também afirma que os reajustes pressionam a inflação. Ele prevê IPCA de 6,2% este ano.
— Ainda tem o risco fiscal e a questão do ruído em torno da independência do BC e da revisão das metas de inflação.
Outro ponto citado pelos economistas é o risco de desancoragem das expectativas. Se os agentes econômicos avaliam que o BC tem uma postura tolerante com relação aos preços, as expectativas de inflação em horizontes mais longos se desancoram, e a autoridade monetária perde credibilidade.
— O aumento das expectativas de inflação alta dificultam o trabalho do Banco Central. Como o Banco Central parte para o alívio (da taxa de juros) se ele vê que a sociedade está esperando ritmo de crescimento de preços mais alto? Ele fica numa posição muito desconfortável — explica José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre.
Essas expectativas do mercado são compiladas pelo Boletim Focus, do BC. A autarquia combina essas estimativas com modelos preditivos para projetar a inflação e, a partir daí, definir a Selic. Por isso, a projeção futura da inflação é fundamental para a definição da taxa básica de juros.
O Focus, divulgado semanalmente, concentra cerca de 130 agentes, incluindo bancos, gestores de recursos e outras instituições, como corretoras e consultorias. No último levantamento, a projeção para o IPCA no fim deste ano foi de 5,79%, na nona alta consecutiva.
Ao longo dos últimos 12 meses, a projeção para o IPCA neste ano e nos próximos vem piorando.
‘Bolha do mercado’
Tony Volpon, ex-diretor do BC, vê dificuldades para a melhoria das expectativas de mercado e uma consequente redução dos juros. Ele avalia que há forte dependência das projeções do Focus nas decisões do BC sobre juros e ressalta a mensuração de mercado é restrita aos centros financeiros, com visão “enviesada”:
— Não devemos menosprezar expectativas, mas temos uma mensuração muito limitada do que é expectativa. Sabemos que existe um viés político dentro dessa comunidade. E, por ser muito pequena, concentrada geograficamente em um bairro em São Paulo (Faria Lima) e Rio de Janeiro (Leblon), há contaminação de visão. É uma bolha do mercado financeiro.
Para Volpon, as projeções continuarão ruins. Contribuem para isso os ruídos sobre o arcabouço fiscal do novo governo — prometido para março — e o debate politizado sobre as metas de inflação.
— Haverá divergência entre o que o governo vai achar que é progresso (no campo fiscal) e já deveria levar a um corte de juros, e o que o mercado, via Focus, vai achar que é progresso. E essas expectativas serão alimentadas no BC em seus modelos para modelagem da taxa de juros — afirma Volpon.
Alexandre Schwartsman, também ex-diretor do BC, ressalta que a autarquia tem de olhar para a frente na hora de definir a Selic, não para o nível atual dos preços:
— A inflação corrente só é relevante se ela traz algumas informações sobre a inflação futura.