Venda direta de etanol, como quer Bolsonaro, é viável e fará preço cair?

Paulo Whitaker

 

As novas diretrizes para permitir a venda direta de etanol das usinas para os postos, que estão em fase de aprovação, podem baratear o combustível no Brasil, conforme anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro na última quarta-feira (1º). Mas a mudança, defendida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), tem limites. Uma alternativa ao papel das distribuidoras, que hoje regem o mercado de combustíveis, deve chegar somente a entre 5% e 20% do álcool consumido no país, segundo especialistas. “Quem ganha é o consumidor e as usinas, que terão um produto mais competitivo com a gasolina”, afirmou o presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil e da Câmara Setorial do Açúcar e do Álcool, do Ministério da Agricultura (Mapa), Alexandre de Lima. O diretor-técnico da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), Antônio Pádua, afirma que a mudança será limitada a uma parte dos fornecedores: “Pode haver casos específicos em que o produtor decida fazer a sua própria distribuição”.

Saiba mais sobre a mudança, que vem sendo discutida desde o final do ano passado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que atualmente proíbe a venda direta do etanol. A venda direta pode diminuir o preço do etanol na bomba? É possível que haja uma redução de preço do etanol nos postos de combustíveis, mas se isso irá ocorrer e quanto impactará, vai depender de como se dará a logística na distribuição. Vale lembrar que a permissão de venda direta não exclui a possibilidade de venda do produtor para as distribuidoras.

Como é feita, hoje em dia, a venda do etanol?

O produtor não pode vender para os postos diretamente. A legislação brasileira define claramente três papéis, regulamentados pela ANP: o produtor (de etanol, diesel e gasolina), as distribuidoras e a revenda, que são os postos de combustível.

As usinas de álcool devem aderir à venda direta aos postos?

O setor está fazendo algumas estimativas sobre quantas usinas devem aderir. O nível de aderência está relacionado à questão da tributação e capacidade de armazenamento das usinas. A União dos Produtores de Cana-de-açúcar (Unica) estima que pode chegar a 5% do volume de etanol consumido no país. A Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana) acredita que a medida deve abranger pelo menos 20% do mercado do biocombustível.

O que é preciso mudar para que ocorra a venda direta?

No caso da venda por meio das distribuidoras, como é hoje em dia, a carga tributária é dividida entre esses dois participantes (produtor e intermediário). Essa questão precisa ser definida e bem equacionada pelo Ministério da Economia, porque poderá provocar perda de arrecadação ou aumento de impostos para o produtor.

Por que existe a figura do distribuidor?

Se não existisse, a venda de petróleo e gasolina seria um monopólio no Brasil: a Petrobras teria a produção, a distribuição e a revenda. Então, o governo definiu os elos. Por isso que existe a BR, que é distribuidora da Petrobras, com um papel diferente da refinaria. Além disso, para um mercado de 40 mil postos de combustível num território grande como o Brasil, é necessária a logística das distribuidoras para garantir o abastecimento.

Qual é a participação das distribuidoras no mercado de combustíveis?

60% do mercado de combustíveis (gasolina, diesel e etanol) está nas mãos das grandes distribuidoras (BR, Raízen e Ipiranga). No mercado de etanol, 65% estão nas mãos das grandes distribuidoras e 35% são voltados aos postos “bandeira branca”, que não têm vínculo com os intermediários. O país tem, hoje, 365 produtores de etanol e mais de 100 distribuidores (a ANP registra mais de 300 “agentes econômicos” com essa função).

Como são cobrados impostos do setor?

Atualmente, a distribuidora desconta R$ 0,11 por litro de etanol de PIS/Cofins. As usinas pagam R$ 0,13. Na venda direta, o imposto total seria descontado diretamente das usinas: R$ 0,24. No caso do ICMS, que é diferente em cada estado, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) também precisa ser consultado.

No caso de uma mudança, onde haveria álcool mais barato?

Em postos que, atualmente, não estão vinculados às grandes distribuidoras, pois não têm contratos exclusivos de fornecimento. Para a Unica (União dos Produtores de Cana-de-açúcar), as usinas só devem ter interesse na venda direta para postos localizados num raio de até 25 quilômetros, por uma questão de logística. A adesão à medida deve ser optativa, mas vale lembrar que uma das principais justificativas da mudança é a possibilidade de diversificação do mercado.

Quem será beneficiado e quem será prejudicado pela medida?

As novas diretrizes podem ser particularmente interessantes para as regiões próximas a usinas, facilitando a logística de distribuição. No entanto, é prematuro apontar vantagens e desvantagens sem que um conjunto de regras seja estabelecido. E, ainda assim, o mercado tende a seguir as práticas que lhes forem mais favoráveis. Ou seja, pode variar de região para região, ou até dentro dos estados.

Há risco de a qualidade do combustível piorar, no caso da venda direta?

No modelo vigente, o produtor e o distribuidor emitem laudos da qualidade do produto, coletando amostras nos postos, que são analisadas pelo programa de monitoramento de combustíveis. Dessa forma, fornecem à ANP um boletim da qualidade, atestando que o combustível atende às especificações e assumindo um compromisso com a qualidade. Na venda direta, essa garantia deve ser dada pelo produtor e também deve ser assegurada nos postos de revenda. Se assim for feito, é possível manter a mesma qualidade.

Quais as alternativas para a aplicação das novas medidas?

Uma saída é criar condições para que o produtor de etanol possa criar um novo CNPJ, de agente de comercialização, para ter a opção de venda direta para os postos. Dessa forma, qualquer usina pode aderir à mudança, enquanto as distribuidoras continuam fazendo seu papel. Esse é um dos modelos que vem sendo estudado pela ANP. A mudança vale somente para o etanol. Nada muda para a gasolina e o diesel.

Por que a medida pode ser mais favorável à região Nordeste?

No Nordeste, a região produtora de etanol está próxima dos grandes centros urbanos, na Zona da Mata, que fica no litoral. No Centro-sul do país, há usinas que também são distribuidoras, por isso não têm interesse na medida, além de estarem mais distantes dos locais de maior consumo (as capitais).

 

 

Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/07/venda-direta-etanol-posto-combustivel-bolsonaro.htm

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