Defendida como política para baratear os combustíveis no país, a permissão do governo federal para que as usinas vendam etanol hidratado diretamente aos postos não teve praticamente efeito sobre os preços nas poucas vezes em que foi exercida. Entre novembro do ano passado, quando a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) começou a monitorar as vendas diretas feitas pelas usinas, e o fim de fevereiro, essas operações movimentaram apenas 15,4 milhões de litros. O volume corresponde a menos de 1% do consumo nacional, que foi de mais de 4,5 bilhões de litros no período.
Dos volumes negociados diretamente, praticamente tudo foi vendido em fevereiro e por apenas duas usinas: a Vale Verde, em Baía Formosa (RN), a 90 quilômetros de Natal, e a Usina Anicuns, na cidade goiana de mesmo nome, a 80 quilômetros de Goiânia. Ambas pertencem ao Grupo Farias, do empresário Eduardo Farias, uma das maiores companhias sucroalcooleiras do Nordeste e do Centro-Oeste, em recuperação judicial desde 2016.
O Valor apurou que as duas usinas destinaram boa parte dos volumes para postos das capitais dos respectivos Estados. No mês em que se concentraram as vendas, em fevereiro, os dados da ANP mostram que os preços do biocombustível recuaram nas bombas de Goiânia e Natal. Porém, todo o mercado nacional de etanol já vinha em queda desde o início daquele mês, depois de meses de baixo consumo, o que torna difícil identificar qual foi exatamente o efeito da venda direta sobre os preços.
Além disso, nas duas capitais, a redução teve curta duração e já foi revertida. Nos postos de Goiânia, que receberam o etanol da Usina Anicuns, os preços do biocombustível chegaram a cair R$ 0,649 o litro ao longo de cinco semanas, entre os fins de janeiro e fevereiro. Na semana encerrada dia 29 de janeiro, antes da venda, o etanol hidratado custava, em média, R$ 5,109 o litro nos postos goianos. Já na semana encerrada dia 5 de março, o preço havia caído para R$ 4,46 o litro.
Contudo, ao longo de março, o preço do etanol já voltou a subir nos postos da capital de Goiás. Na semana encerrada dia 2 de abril, o valor do litro do combustível renovável havia subido R$ 0,499, para R$ 4,959 o litro.
O volume de etanol vendido pela Usina Anicuns aos postos em fevereiro, de 2,7 milhões de litros, representa uma parcela pequena das vendas do biocombustível aos motoristas de Goiânia. Por mês, o volume total é de mais de 30 milhões de litros, de acordo com dados históricos da ANP.
No caso de Natal, a queda dos preços ocorrida entre as últimas semanas de janeiro e fevereiro foi de apenas R$ 0,214 o litro. Na semana encerrada no dia 26 de fevereiro, o litro do etanol estava, em média, a R$ 5,469, abaixo dos R$ 5,683 da semana encerrada 29 de janeiro. Nas semanas seguintes, porém, os preços já voltaram a subir, acumulando elevação de R$ 0,421 o litro nos postos da cidade na semana até dia 2 de abril.
As vendas diretas da Vale Verde em fevereiro somaram 11,2 milhões de litros. Parte atendeu à demanda da capital do Rio Grande do Norte, que historicamente consome em torno de 2 milhões de litros por mês. Para Martinho Ono, sócio e diretor da SCA Trading, o volume negociado até agora ainda é “inexpressivo” para ter algum impacto sobre os preços.
Além disso, ele considera que, ainda que o posto de combustível consiga comprar algumas cargas mais baratas diretamente das usinas, o preço nas bombas será balizado de acordo com a concorrência, com poucos descontos em relação ao etanol comercializado via distribuidoras. “O revendedor vai sempre equalizar seu preço com sua área de influência”, afirma.
Representante dos postos de combustíveis de Goiás, Márcio Martins, presidente do Sindiposto, negou que os postos aproveitaram a operação para aumentar suas margens. Ele disse que a usina do Grupo Farias está com uma política de vender aos postos o etanol hidratado por preços parecidos com os das distribuidoras. Segundo o dirigente, a diferença seria de apenas 4 centavos por litro, o que não teria efeito para o consumidor.
Procurado, o Grupo Farias não quis comentar. De acordo com uma fonte próxima à empresa, o preço nos postos que receberam o produto caiu R$ 0,22 o litro no mês em que a venda ocorreu.
André Rocha, presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação de Etanol do Estado de Goiás (Sifaeg), disse que o setor “nunca passou a expectativa de que haveria redução” dos preços na bomba por causa da medida. “A questão é alinhar com a lei de liberdade econômica, pois abre uma porta para facilitar uma venda. É uma liberalidade, para a empresa acessar mercado e ter relacionamento com postos”, afirmou.
Segundo ele, para que o preço do etanol diminua nas bombas, são necessários “outros fatores. Não é tão simples”. Em 2018, porém, quando o tema emergiu no debate público por causa da greve dos caminhoneiros, o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-Log) divulgou estudo dizendo que a medida poderia, ao menos no Estado de São Paulo, reduzir os preços do etanol em mais de 30%, levando-se em conta apenas os custos de transporte rodoviário na ocasião.
Na mesmo época, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) distribuiu nota técnica em que afirmava que seriam precisos estudos regionais sobre os impactos. No caso de Goiânia, André Rocha, do Sifaeg, diz que a medida pode ter pouco efeito nos preços, já que o transporte do etanol já seria feito para a região metropolitana de qualquer forma via distribuidoras.