Produtores confirmam que oferta atual já proporcionaria preços até R$ 1 mais baixos na bomba.
Desde fevereiro de 2021, o preço do etanol se mantém acima de 70% do valor médio da gasolina, e o combustível continua inviável para o consumidor em Minas Gerais, já que, por uma questão de rendimento dos motores flex, só compensa usar o derivado da cana se o preço do litro for inferior a esse patamar do valor do combustível fóssil. O álcool poderia estar hoje R$ 1,05 mais barato nos postos, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Mas os estabelecimentos deixam o preço nas alturas para manter margens de lucro e para forçar o consumo da gasolina, que está bem mais cara. E quem perde com essa manobra é, claro, o consumidor.
A reportagem apurou que as distribuidoras comercializam o etanol de R$ 4,05 a R$ 4,10 – na bomba, o combustível é vendido por uma média de R$ 5,028 no Estado e R$ 5,058 em Belo Horizonte, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Até novembro do último ano, conforme a reportagem apurou, o lucro dos postos ficava entre R$ 0,30 e R$ 0,40 e, agora, ultrapassa R$ 0,90. Em alguns casos passa de R$ 1 por litro.
A última safra de canade-açúcar, matéria-prima do etanol, foi prejudicada pelo clima, em meio a geadas e incêndios. Mesmo assim, há estoque de etanol para o período de entressafra, que se estende até abril, segundo a Unica. “A oferta está muito maior do que a demanda, e está sobrando produto até o início da próxima safra, em abril. É difícil entender por que isso ainda não chegou completamente ao consumidor. Eu costumo dizer que, quando o combustível sobe, é de elevador, mas não desce na mesma velocidade”, pontua o diretor técnico da Unica, Antonio Pádua Rodrigues. Procurado pela reportagem, o dono de um posto de combustíveis na região metropolitana afirmou que compra o etanol por R$ 4,30 na distribuidora e que sua margem bruta de lucro com o etanol chega perto de 9%. Na perspectiva dele, não é possível repassar a diminuição de R$ 1,05, calculada pela Unica, integralmente ao consumidor. “O custo dos postos subiu muito. O IGP-M, por exemplo, subiu, e os postos são alugados. O posto até prefere vender etanol. O etanol tem vários custos na composição até chegar ao posto”, diz. Já o gerente de outro estabelecimento, em Contagem, na região metropolitana, admite que a queda do preço do etanol foi adiada e poderia ter começado mais cedo. Segundo a Raion Consultoria Empresarial, a margem de lucro média dos postos praticada em Belo Horizonte é de 15%.
“Ontem, dia 16, muitos postos estavam reduzindo o preço, e ele estava ficando até próximo de 70% do preço da gasolina. Mas realmente os postos seguraram o preço, isso é verdade, porque, além de o etanol ter ficado mais barato na usina, houve a prorrogação do congelamento do ICMS”, relata.
Procurado pela reportagem, o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro) afirmou que não realiza monitoramento de preço dos revendedores, mas que a margem de lucro bruta dos postos de BH e região com o etanol é de aproximadamente 9% e, com a gasolina, 4%. “A volatilidade dos combustíveis, observada nos últimos dois anos, fez com que essa margem em todo o Brasil ficasse ainda mais estreita, levando em conta a inflação anual e aumento dos custos de produção, distribuição, operação e frete”, detalha, por meio de nota.
Mistura
O percentual obrigatório de etanol anidro misturado na gasolina comum é de 27% e na premium é de 25%. Essa medida do governo também faz pressão sobre a oferta do derivado da cana.
Vendas do derivado da cana são as menores em 5 anos
A falta de competitividade do etanol em relação à gasolina e o enfraquecimento da demanda por combustíveis levaram as vendas de etanol ao menor patamar em cinco anos em 2021, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Quase 16,8 bilhões de litros de etanol hidratado foram comercializados no último ano, retração de 12,8%.
O instrutor de autoescola Luís Almeida, 45, deixou de abastecer com álcool há cerca de quatro meses, já que o combustível não estava mais compensando em relação à gasolina. “Se voltar a compensar, eu mudo de novo. Antes desses aumentos, eu gastava R$ 250 por semana para o carro do trabalho. Agora, gasto R$ 430, R$ 470”, diz.
“Quem mais sofre é o consumidor final. Para ele, pouco importa o motivo: o que conta é que ele está pagando mais caro. Se continuarmos com queda do dólar e, consequentemente, o preço da gasolina baixar, a tendência é de redução do preço do etanol, mas há muitas variáveis. Por exemplo, a Índia liberou o uso do etanol no último ano, e precisamos ver se isso terá impacto”, completa o professor do Ibmec-BH Luiz Carlos Day Gama.
De acordo com a União da Indústria de Cana-deAçúcar (Unica), 2022 se iniciou com intensificação da retração de vendas para o mercado interno, com queda de 44,45% sobre o montante apurado no mesmo período da última safra. (GR)
Variação de preço nos postos de BH é mínima
O etanol é um dos grandes vilões da inflação no país. A variação do preço do combustível em um ano em Minas Gerais, de janeiro de 2021 a janeiro de 2022, chega a 61% e, em BH, a 64,4%. Parte desse valor que pesou no bolso do consumidor veio da manutenção das margens de lucro dos postos e da alta tributação sobre o produto. O aumento do etanol foi ainda mais significativo que o da gasolina no mesmo período, que subiu 46,9% no Estado.
Os valores do etanol no varejo são bem padronizados. A reportagem de O TEMPO percorreu postos de BH e região e percebeu muita “coincidência” nos preços. Também no levantamento semanal mais recente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que considera preços entre os dias 6 e 12 de fevereiro em 39 postos, os preços se repetem.
A maioria dos postos consultados, 23 deles, mantém o etanol a R$ 4,99, com variação somente na terceira casa decimal.
Administrador do site de pesquisa de preços Mercado Mineiro, Feliciano Abreu reflete que é cada vez mais difícil o consumidor pesquisar para encontrar ofertas. “Os preços estão próximos há muito tempo. Hoje, o consumidor fica extremamente desestimulado para pesquisar, até porque vai gastar combustível para isso. Mas não tem como dizer que os preços nos postos são iguais porque combinaram”, analisa.
A prática de combinação de preço dos combustíveis vem sendo denunciada e investigada em várias ações ao longo de décadas. Em 2019, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multou duas redes de postos por induzir os estabelecimentos a uniformizar os preços em BH e região.
Questionado pela reportagem, o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro) respondeu, por meio de nota, que não realiza monitoramento de preços dos combustíveis dos revendedores. “O sindicato repudia quaisquer práticas anticompetitivas, inclusive, está sujeito às normas de compliance estabelecidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e, por isso, não comenta os preços praticados pelos revendedores, em consonância com a Lei 12.529/2011, que dispõe sobre a livre concorrência”, detalhou.
Desequilíbrio
A relação do preço do etanol comparado ao da gasolina nos postos de Minas é, de 71,7%, segundo os dados semanais da ANP – em BH, é maior, alcançando 72,3%. Sócio da empresa consultora do setor Raion Consultoria, Eduardo Melo pondera que a tendência atual é de baixa, após o pico do desequilíbrio no último ano. Embora no curto prazo o horizonte seja mais confortável do que em 2021, ele destaca que a iminência de mais altas sobre a gasolina pode voltar a desestabilizar o preço do etanol significativamente.
“Houve um desequilíbrio em 2021, e a relação do preço do etanol e da gasolina chegou a 80% nacionalmente. Estamos no meio do primeiro trimestre, e, hoje, essa relação converge para os 70%, porque o mercado sempre busca o equilíbrio. Mas o mercado está aguardando um novo reajuste, e isso pode promover desequilíbrio novamente”, diz.
MP da venda direta terá pouco impacto, avaliam analistas
A Medida Provisória (MP) que ajusta a cobrança de tributos para facilitar a venda direta do etanol dos produtores aos revendedores tende a ter pouco efeito sobre o preço para o consumidor final, na perspectiva de analistas do mercado.
O texto foi publicado no “Diário Oficial da União” (“DOU”) nesta semana, após assinatura do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Se a medida facilitar a chegada do combustível de um ponto a outro, pode haver queda no preço, mas isso depende de quais centros analisarmos”, avalia o professor de economia do IbmecBH Luiz Carlos Day Gama. O diretor técnico da União da Indústria de Canade-Açúcar (Unica) Antonio de Pádua Rodrigues explica que a maior parte da cadeia produtiva não está preparada para a demanda, por ora.
O sócio da empresa Raion Consultoria Eduardo Melo pondera que o risco de sonegação de impostos pode aumentar com a mudança. “Em alguns mercados, pode haver ganho de eficiência logística, mas não de maneira geral. É preciso atenção à questão tributária para que não haja sonegação ao se eliminar um elo da cadeia.
Hoje, o recolhimento é mais fácil em uma distribuidora, de forma centralizada, do que de forma capilar”, diz. A MP não deve diminuir a insegurança jurídica da cadeia de produção e revenda do etanol, avalia o economista Matheus Peçanha, do Ibre/FGV. Para ele, o preço final do produto também não deve se alterar se a MP não deslanchar.