Em entrevista ao GLOBO três meses após assumir o comando da Petrobras, Jean Paul Prates diz ter encontrado uma empresa traumatizada com os problemas do passado, mas que se prepara para voltar a investir em novas áreas, inclusive na transição energética.
A estatal está prestes a concluir sua nova estratégia comercial, com a promessa de oferecer valor menor ao consumidor do que a política de paridade de importação (PPI), que leva em conta o valor do dólar e do petróleo. Ele antecipa detalhes da nova estratégia comercial da empresa, como a adoção de preços de combustíveis distintos de acordo com cada região e cliente, mas diz que a estatal não vai se desgarrar do mercado internacional.
Prates classifica como erros as vendas de gasodutos, refinarias e da BR Distribuidora e reconheceu a gravidade da crise pela série de casos de abuso na empresa: “Assédio mata”. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Três meses depois de assumir o cargo, qual o diagnóstico que faz da companhia?
Teve o final dos nossos governos e a ressaca da Lava-Jato. Aí chegou um governo que diz que ´ser do Estado é ruim´. Como não podia privatizar a Petrobras, se diminuiu ao máximo, vendendo as refinarias. O mapa da Petrobras do Bolsonaro e do Paulo Guedes era vender tudo que era periférico em relação ao Sudeste e ao pré-sal. Ficava ali uma ´independente texana no Sudeste brasileiro´.
Provavelmente ia ser uma empresa muito lucrativa por mais sete ou oito anos. E já estava distribuindo os dividendos todos. Depois ia fenecer. Uma grande farra e depois o bagaço da laranja. Logo em seguida o pré-sal entraria em declínio. A Petrobras que encontrei era uma empresa traumatizada.
E isso não tem nada a ver com relaxar a governança. A governança é bem-vinda. Mas encolheram a empresa. É como uma tartaruga assustada, dentro do casco, com as patinhas e a cabeça recolhidas.
Mas o argumento era que era necessário encolher por causa do endividamento excessivo nos governos do PT… Como fazer a conta fechar? Ter recursos para o pré-sal e a transição energética?
A primeira coisa é fazer no tempo certo sem loucura. Ninguém vai sair deixando de explorar novas fronteiras de uma hora para outra e tocando tudo para a área de transição energética. É desafio duplo. Dizer que a gente encolheu porque se endividou é falacioso. Todas as empresas, quando descobriram grandes campos, como no Mar do Norte, ao desenvolverem, foram para o endividamento.
Tinha fila aqui para financiar a Petrobras. Mas juntou isso com a crise política. Houve aqui e acolá um ou outro erro de esticar a questão do preço interno. Boa parte da dívida era do fato de você ter feito a megadescoberta e ter que desenvolver. Havia razão para dar uma segurada? Sim. Mas foi excessivo.
Nos últimos anos, a Petrobras vendeu ativos para reforçar o caixa. O que vai garantir os investimentos?
Será o caixa da produção e a da sua lucratividade. A gente não vai fazer transição em três ou cinco anos. A gente vai atirar para 15 anos. Dá para chegar para os acionistas e fazer um trade-off. Olha, me deixa um pouquinho mais aqui que eu vou investir em transição energética. Alguém pode não querer e falar que vai investir em outra empresa. Mas todas estão fazendo a mesma coisa.
Mas a política de dividendos atraiu um perfil de investidor que estava atrás do ganho alto…
Outro desafio que a gente tem é harmonizar melhor o perfil de investidor da Petrobras. A Petrobras é uma empresa segura, um transatlântico. Se quiser uma lanchinha rápida, pega ações de uma startup de garagem, investe e vai lá para o oceano. Se vier uma onda maior, você pode perder tudo.
Se quiser um transatlântico, ele é mais devagar, se move mais lentamente, mas vai entregar lá no outro lado. O investidor que procura segurança é conservador e aceita rentabilidade menor. Achei um erro vender os gasodutos, a BR é outro erro crasso. Não tem outra congênere que fez o que a Petrobras fez: vender a empresa que interage diretamente com seus consumidores.
Haverá mudanças na política de dividendos?
A gente vai discutir no Conselho. Os acionistas privados participam. Já se pressupõe que não vai ser uma loucura.
Mas o nível de distribuição vai cair ao mínimo obrigatório?
Nem tanto.
Como está o debate sobre mudança na política de preços?
Isso tem que ser feito com sabedoria e calma. Na campanha, o presidente Lula falou em abrasileirar o preço. Falei várias vezes que a gente tem que se libertar do dogma do PPI. Não faz sentido brigar tanto pela autossuficiência, ser até exportador, brigar pela autossuficiência em refino e dizer “agora o preço aqui é o de Roterdã mais o frete”.
Isso tudo com a penalização do brasileiro. Um país autossuficiente em petróleo e quase autossuficiente em refino não pode estar na mesma situação que o Japão, que não produz uma gota de petróleo, ou Vanuatu, que nem refinaria tem.
O senhor tem dito que o preço não vai se descolar do petróleo…
Esse mistério vai acabar já. Daqui a pouco a gente vai anunciar. O que vamos divulgar é a estratégia comercial da Petrobras quanto a preços. Não é política de governo. É o que a Petrobras vai praticar como estratégia comercial respaldada nas vantagens competitivas de produzir e refinar no Brasil.
Vai mudar até a terminologia. Será estratégia comercial ou composição de preço, porque vai incluir o fato de você ser um bom ou mau cliente ou se tem mais ou menos crédito comigo.
E a estratégia comercial envolve o quê?
Ser a melhor opção para o consumidor. É não perder aquele cliente. Ser sempre a melhor opção onde quer que você esteja em uma área de influência da refinaria.
E para o consumidor?
Ele vai ter preço inexoravelmente mais baixo que o PPI.
Vai ter fórmula?
Será um modelo sem deixar de lucrar. Cada área de influência de refinaria vai ter um. E não é só por região. É por cliente também. Se você compra muito, faço um preço melhor. Se compra para entregar no Porto de Santos é uma coisa, se compra para entregar no interior, é outra. Mas a Petrobras vai ser sempre a melhor opção de preço.
A gente vai fazer com parcimônia e tranquilidade porque não vamos nos desgarrar do preço internacional como uma Venezuela e vender o diesel ao preço que quiser. Quando subir lá fora, terá que subir aqui dentro. Quando descer lá fora, vai ter que descer aqui. Mas isso dentro também de uma gestão que a empresa tem o direito de fazer.
No governo passado, foi prometido um choque de energia barata no gás, mas isso não ocorreu. Como fazer isso chegar ao consumidor?
O preço do petróleo é a variável mais selvagem que existe no mundo, mais do que qualquer moeda ou taxa de juros. Se desgarrar demais dela é ficar numa zona de perigo, tanto para cima quanto para baixo. Há grandes produtores que acham que isso vai se reverter para a população (adotar preço menor).
A Bolívia fez isso com o gás, imaginou que se botasse o gás a US$ 1 abririam fábricas lá. Não rolou. São estratégias que os países escolhem. Países mais frágeis economicamente só têm uma bala de prata, podem acertar ou errar. O Brasil não precisa disso. Tem massa crítica de consumidores e pode fazer política de preço diferenciada pelo vale-gás para GLP.
Por que para a estatal vender gasolina no posto é importante?
Porque de alguma forma tem um paradigma próprio dos custos daquilo ali. Ser verticalmente integrada é o sonho de consumo de uma empresa de petróleo. É necessário estar ali aferindo o que chega ao consumidor final. Não estou dizendo que vou voltar correndo para comprar a BR. Mas como você discute bateria, eletromobilidade ou veículos híbridos sem posto?
A Petrobras vai tentar reaver a marca BR, que está em direito de uso pela Vibra?
O problema não é só o direito de uso. Nunca vi contrato tão estranho quanto esse. Em um contrato, você cede sua marca para botar um produto seu. Esse contrato permite que você tenha produto de outra origem em posto Petrobras.
Vão questionar judicialmente?
Não. A Vibra virou corporation (sem controlador definido). A gente precisa conversar. Se tem um problema de qualidade do produto, por exemplo, quem se responsabiliza? Ficou um negócio meio cinza. Mas me causa estranheza franquear a marca da Coca-Cola e botar Guaraná lá dentro.
A ideia é a que a Petrobras volte ao setor de distribuição?
A Petrobras não pode ficar tão longe do consumidor final, o que não quer dizer que aconteça já no primeiro ano. Ela já cometeu um erro, não pode ser um erro em cima de outro. Não venderia a BR, tenho que pensar o que faço sem ela: pode ser voltar a ter ela ou pode não ser, pode ter alternativas que me obriguem a acelerar processos da transição energética.
Não estou dizendo que vai ser judicializado, é sentar com o pessoal e entender o que presidiu esse acordo.
O senhor citou eletrificação e bateria. Pode ser algo assim?
Poderia. A gente precisa usar o corpo técnico que a Petrobras tem. Não é só desfazer o que o Bolsonaro fez. Não vamos voltar ao que era. Vamos reverter para algo melhor.