Em documentos, promotores apontam ‘fortíssimos indícios’ deste e outros crimes. Defesa do padre Robson de Oliveira nega irregularidades com dinheiro da associação.
Durante investigação de transações da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), criada pelo padre Robson de Oliveira, o Ministério Público de Goiás suspeita de lavagem de dinheiro que pode ter sido feita por meio de uma rede de postos de combustíveis.
A informação foi retirada de documentos do órgão enviados à Justiça aos quais o G1 e a TV Anhanguera tiveram acesso.
Em um desses documentos, o MP argumenta que “há fortíssimos indícios da prática de crimes de apropriação indébita, organização criminosa, e ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”.
Também no texto, os promotores indicam que a suspeita existe “tendo em vista o volume de movimentações financeiras atípicas e apontada incompatibilidade entre a natureza das transações com as finalidades da associação religiosa, além dos vínculos entre pessoas jurídicas diversas e os investigados, notadamente, o responsável pela Afipe”.
Por meio de nota, a defesa do padre Robson, que sempre negou as acusações, informou à TV Anhanguera que todas as transações envolvendo a Afipe são legais e feitas “em favor da evangelização”.
A rede de postos Kurujão é citada diversas vezes como uma das empresas que recebeu, de forma indireta, grande quantia da Afipe, e que teria conseguido expandir o número de postos com dinheiro desviado da associação.
Os registros do Ministério Público apontam que a empresa Sul Brasil – dos sócios Ademar Monteiro e Marcos Antônio Alberti – recebeu R$ 18 milhões da Afipe em 2018 e que, no mesmo período, repassou R$ 17,5 milhões ao Autoposto Kurujão.
Por um período, segundo consta nos documentos do MP, Ademar e Marcos também foram sócios da rede de postos.
Douglas Reis é indicado nos documentos como o proprietário dos postos Kurujão e sócio do Autoposto Trindade Eireli, que também é citado nas investigações.
De acordo o MP, consta no extrato detalhado do Autoposto Kurujão que “todas as quantias mais relevantes recebidas são repassadas ao Autoposto Trindade Eireli (Kurujão V)”.
A defesa de Ademar e Marcos informou ao G1, em nota, que “não há nada de ilícito nessas relações”. Advogado dos sócios, Alessandro Silvério explicou que seus clientes venderam uma rede de televisão à Afipe pela qual recebera parte em dinheiro e parte em imóveis.
Segundo o advogado, os dois prospectaram negócios na região para os imóveis que receberiam, tendo aproveitado a oportunidade e comprado 50% do Grupo Kurujão, pago com imóveis que receberam da Afipe (leia a nota na íntegra ao fim da reportagem).
A defesa de Douglas informou, por meio de nota, que não houve transação imobiliária direta com Afipe, mas sim com Ademar e Marcos. Ainda de acordo com o comunicado, Douglas e o Grupo Kurujão têm contribuído para o esclarecimento dos fatos e refuta o vínculo do crescimentodo grupo empresarial com supostos desvios (leia a nota na íntegra ao fim da reportagem).
Os investigadores também falaram, em pedidos à Justiça, sobre uma conversa de Douglas com um dos sócios da Sul Brasil, Ademar Monteiro.
Na transcrição da conversa, os investigados falam sobre a possibilidade do primeiro empresário se candidatar à prefeitura de Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia, onde ficam a Afipe e a Basílica do Divino Pai Eterno, que também era administrada pelo padre Robson.
Também na conversa descrita em uma das peças do Ministério Público, Ademar desencoraja a candidatura de Douglas argumentando que o “MP fica em cima”.
Investigações
- O MP começou a apurar suspeitas de irregularidades nas contas da Afipe após o padre Robson ser vítima de extorsão e ter pago os criminosos que ameaçavam divulgar um suposto caso amoroso dele com R$ 2 milhões retirados dos cofres da Associação, que é mantida com dinheiro de doações de fiéis do Brasil inteiro;
- Os promotores apuraram que a alguns pagamentos aos autores das extorsões foram feitos em espécie, envolvendo funcionários da Afipe, algumas vezes sem o conhecimento da Polícia Civil, que já estava investigando as ameaças
- Os saques de valores altos e com frequência chamaram a atenção dos investigadores, assim como o grande número de bens de luxo no nome da Associação, cujo objetivo é promover a evangelização e não teria fins lucrativos;
- Também de acordo com as apurações do MP, várias negociações de imóveis deixavam a Afipe no prejuízo;
- A Operação Vendilhões foi deflagrada no último dia 21 de agosto e cumpriu mandados de busca e apreensão em vários endereços da Afipe e de pessoas ligadas à Associação;
- O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) segue investigando o material colhido e deve ouvir as pessoas envolvidas para esclarecer se o dinheiro de fiéis estava sendo desviado da Afipe ou não.
Posicionamentos na íntegra
Defesa de Marcos e Ademar:
Ademar e Marcos eram proprietários de uma rede de televisão que foi vendida à AFIPE. Nessa negociação receberam uma parte em dinheiro e outra parte em imóveis, sempre transferidos pela AFIPE para empresas das quais eles eram sócios.
Só a título de comparacao: por 3h30 min de programação na REDE VIDA, consta dos autos que a AFIPE pagou R$ 198.000.000,00 pelo arrendamento do horário. Os meus clientes venderam uma rede de televisão com abrangência em todo o território nacional com 3 geradoras e mais de 100 retransmissoras. Ou seja, não há qualquer irregularidade nessa informação.
Como receberiam um valor significativo em dinheiro, e também vários imóveis na região de Goiânia, nossos clientes trataram de prospectar negócios na região para os imóveis que receberiam.
Foi quando surgiu a possibilidade de se tornarem sócios do KURUJÃO. Rede de postos de combustíveis que necessitava de uma carteira de imóveis para se expandir, na medida em que as distribuidoras de combustíveis financiam a expansão através de mútuos, desde que a operação de mútuo lhes seja garantida por imóveis; assim ocorreu: por 50% da sociedade, eles repassaram uma quantia em dinheiro e vários imóveis que haviam recebido da AFIPE. Como o negócio com o KURUJÃO foi prospectado enquanto avançavam as negociações com a AFIPE para venda da rede nacional de televisão e sabendo que receberiam vários imóveis que posteriormente seriam dados em pagamento na aquisição das cotas do KURUJÃO trataram de criar uma pessoa jurídica (KD imóveis) para receber todos os imóveis que seriam envolvidos nessa possível futura negociação. E assim ocorreu. Quando fechada a negociação, repassaram as cotas daquela empresa (KD)ao senhor Douglas Reis, que, por sua vez, lhes repassou 50% das cotas do Grupo KURUJAO. Fora as transferências das cotas da KD eles também deram 22.000.000,00 em dinheiro, via transferência bancária da conta da Sul Brasil, empresa que apenas eles são sócio, pela aquisição dos 50% do Kurujão. Note que tudo foi realizado às claras. A KD foi constituída em nome deles e posteriormente todas as cotas foram repassadas àquele que estava a lhes repassar as cotas de 50% do Grupo Kurujão. Mas não é só:
Em virtude daquela negociação o senhor Dougla Reis passou a ser presidente do Grupo Kurujão, incumbindo aos meus clientes determinar quem seria o vice-presidente, razão pela qual trataram de prospectar no mercado alguém capacitado para tal posto na empresa, tendo a SULBRASIL ( empresa cujos sócios são apenas Ademar e Marcos) contratado uma renomada empresa especializada na seleção de presidentes e vice presidentes de empresas. Tudo com a intenção de que os negócios fossem alavancados. Portanto, não há nada de ilícito nestas relações.”
Defesa de Douglas e do Grupo Kurujão
Considerando a investigação promovida pelo MP/GO sobre a suposta prática de delitos de lavagem de capitais, organização criminosa e apropriação indébita envolvendo associação religiosa AFIPE, e, sobretudo, reforçando o compromisso de DOUGLAS DOS REIS e GRUPO KURUJÃO com a verdade e a transparência, vêm a público prestar os esclarecimentos seguintes:
1.Atualmente, o GRUPO KURUJÃO é formado por diversas empresas, dentre elas o AUTO POSTO KURUJÃO EIRELI, a KURUJÃO ADMINISTRADORA DE BENS LTDA, e a KD ADMINISTRADORA DE BENS LTDA, pessoas citadas na investigação;
2.Ainda, cabe à empresa KURUJÃO ADMINISTRADORA DE BENS LTDA a gestão do complexo de empresas, bens de propriedade do grupo e imóveis locados para exploração da atividade comercial, dela fazendo parte, na condição de sócios, a Família Reis (Douglas, Elza e Vivian) e, ainda, Ademar Euclides Monteiro e Marcos Antônio Alberti;
3.O ingresso de Ademar Euclides Monteiro e Marcos Antônio Alberti no GRUPO KURUJÃO se deu após a aquisição, por parte destes, de 50% do complexo empresarial do Kurujão. ADEMAR e MARCOS haviam vendido à AFIPE, entre 2016 e 2017, a TV que hoje é administrada pela AFIPE e conhecida como TV PAI ETERNO, tendo recebido da AFIPE, naquela transação, bens imóveis como parte do pagamento. Em 2018, Marcos e Ademar, ingressaram, como sócios, no GRUPO KURUJÃO, sendo que parte dos referidos bens recebidos por eles da AFIPE foram dados em pagamento da aquisição de 50% do GRUPO KURUJÃO, e a outra parte do pagamento, no total R$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de reais) foi transferida, mediante TED’s da empresa SUL BRASIL – RADIO E TELEVISÃO, empresa que tem como sócios os empresários Ademar e Marcos (compradores de 50% do Grupo Kurujão), para a conta da empresa AUTO POSTO KURUJÃO EIRELI, cujos sócios formam a Família Reis (Douglas, Elza e Vivian).
4. É importante frisar que a negociação envolvendo AFIPE e SUL BRASIL em 2016/2017 (compra e venda da TV RCI), cujos sócios são Marcos e Ademar, é totalmente distinta e independente da negociação que envolveu Marcos e Ademar com o Grupo Kurujão, Família Reis, realizada em junho/2018 (compra e venda de 50% do complexo empresarial do Grupo Kurujão).
5. A empresa KD ADMINISTRADORA DE BENS foi criada por Marcos e Ademar (sócios da SUL BRASIL) para receber alguns imóveis vindos da AFIPE como parte do pagamento da venda da TV RCI/TV PAI ETERNO, sendo que a referida empresa não tem qualquer relação com Padre Robson Oliveira. Posteriormente, em abril/2019, Marcos e Ademar transferiram a empresa KD ADMINISTRADORA DE BENS para a Família Reis (Douglas, Elza e Vivian) como parte do pagamento da venda de 50% do Grupo Kurujão.
6.Sobre o fato de diálogo entre os atuais sócios DOUGLAS DOS REIS e ADEMAR EUCLIDES MONTEIRO ter sido captado, do conteúdo da conversa não se infere a prática de qualquer ilícito penal;
7.Sobre a existência de transações entre Auto Posto Kurujão Eireli e Auto Posto Trindade Eireli, tratam-se de transações de mútuo realizadas entre empresas que possuem o mesmo objetivo social (comércio de combustíveis) e que integram o mesmo grupo empresarial (o GRUPO KURUJÃO), com a única finalidade de quitar obrigações contraídas pelas empresas do grupo a que pertencem;
8.A evolução patrimonial de DOUGLAS DOS REIS deve-se a movimentação financeira nas pessoas jurídicas que compõem o GRUPO KURUJÃO, especificadamente através de financiamentos de terceiros que são os contratos de bandeiramento junto às distribuidoras de combustíveis, não se olvidando que a grande maioria dos postos em operação são postos locados, ou seja, a estrutura física e imobiliária não pertencem ao Grupo Kurujão.
9.Ao final, Douglas dos Reis e Grupo Kurujão, refutam, com veemência, a inverdade contida do PIC n. 02/2018 que vincula o crescimento do grupo empresarial a supostos desvios da AFIPE.
Gilles Gomes e Edmar Alves Filho, advogados de defesa