Acompanhando uma das maiores quedas já vistas nos preços internacionais do petróleo, o preço da gasolina no Brasil chegou a cair mais de 50% nas refinarias do início do ano até maio. A maior parte desse desconto, entretanto, não chegou ao consumidor: ele ficou represado nos postos de gasolina, e principalmente, nas distribuidoras, que são as intermediárias que compram os combustíveis fabricados nas refinarias e os revendem para os milhares de postos de gasolina do país.
É o que mostram dados de mercado compilados pelo CNN Business. O preço do litro da gasolina vendido nas refinarias da Petrobras caiu 52% entre 1º de janeiro e 1º de maio – ele saiu de uma média de R$ 1,93 por litro para R$ 0,93 neste período, de acordo com cálculos feito pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única). A Petrobras concentra 90% da produção de combustíveis no país.
Isso significa que o litro da gasolina saiu das refinarias e chegou às distribuidoras, em média, R$ 1 mais barato no começo de maio do que custava no começo de janeiro. No mesmo intervalo, entretanto, ela saiu das distribuidoras para os postos apenas R$ 0,46 mais barato. Nos postos, por fim, o preço médio da gasolina caiu R$ 0,40 entre janeiro e maio.
Os consumidores pagavam, na primeira semana do ano, R$ 4,33 pelo litro da gasolina na bomba, o que havia caído para R$ 3,93 no início de maio. Os dados são da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que verifica e divulga semanalmente a média de preço dos combustíveis em mais de 5 mil postos do país.
Percentualmente, a gasolina ficou 52% mais barata na refinaria, 11,9% mais barata nas distribuidoras e 9,2% nos postos. Como o valor final que chega à bomba é naturalmente maior do que o da refinaria, porque embutem custos adicionais como impostos, frete e salários, é normal que as variações percentuais fiquem menores para um desconto do mesmo tamanho, em centavos.
Por isso, uma outra maneira de medir a diferença é comparando as variações em valores absolutos: em dinheiro, o tamanho do desconto deveria ser sempre exatamente o mesmo desde a refinaria até o posto de gasolina, caso não haja nenhum aumento de custo ou represamento no meio do caminho.
Estoques parados e custo médio maior
Uma das razões apontadas pelo setor para a diferença entre os reajustes dentro e fora da refinaria está nos estoques. “Para efetuar os repasses de alterações de preços de seu fornecedor monopolista, a Petrobras, existe um intervalo de tempo até que os estoques com custos antigos sejam repassados aos seus clientes”, disse, por nota, a Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom), que representa as distribuidoras regionais.
Os estoques, de acordo com as entidades, podem durar de duas a três semanas para serem renovados, o que faz com que a gasolina mais barata da refinaria leve mais ou menos este tempo hábil até efetivamente chegar ao tanque do consumidor, na ponta final da cadeia.
O intervalo verificado pelo CNN Business, de quatro meses, é maior do que isto. “É difícil o estoque não ter sido totalmente renovado ao menos uma vez nesse período”, disse o analista de energia da Tendências Consultoria, Walter de Vitto, “mas isso pode ter ficado mais exacerbado neste momento, porque a demanda caiu muito e os estoques duram mais”.
A própria redução acentuada da demanda é um fator que, de acordo com os distribuidores e revendedores, está pressionando os custos e impedindo reduções maiores. A lógica é que, com vendas substancialmente menores, custos fixos, como aluguéis ou salários, passam a ter um peso maior quando diluídos entre cada litro vendido.
“A redução brusca das vendas nos postos de serviços a partir da pandemia da Covid-19 resultou em pedidos fracionados e em menor volume, elevando o custo unitário do produto”, afirmou o Instituto Brasileiro de Petróleo Gás e Biocombustíveis (IBP), que reúne as distribuidoras do país.
Imposto defasado
Paulo Soares, presidente da Fecombustíveis, federação das redes de postos de gasolina, destaca o papel dos impostos, que são acrescidos sobre o preço da porta da refinaria para fora e que chegam a mais de 40% do preço final da gasolina. O mais pesado deles – o ICMS – varia de 25% a 34%, de acordo com o estado, só que os governos estaduais estariam ainda cobrando o ICMS sobre valores antigos dos combustíveis, anteriores às reduções mais recentes.
“Os governos fazem uma conta do valor médio do combustível no estado e a tributação [do ICMS] é feita sobre essa média”, disse Soares. “Só que eles estão fazendo a revisão desse valor médio de maneira bem mais lenta do que as reduções vêm ocorrendo”.
27% de etanol
Outro fator que diferencia os preços praticados está no fato de que a gasolina que sai da refinaria é pura, mas a que chega ao consumidor deve por lei ter uma diluição de 27% de etanol. Essa mistura é feita nas distribuidoras.
“Pouco mais de um quarto da gasolina que chega à bomba é etanol”, diz Vitto, da Tendências. “Se o preço dele cai menos do que o da gasolina, isso já atrapalha a queda do valor final.”
O valor do litro do etanol anidro (usado na diluição) caiu 31% entre a primeira semana de janeiro e a primeira de maio, de acordo com dados acompanhados pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). É menos do que os 52% da gasolina, mas mais do que os 11% e os 9% das distribuidoras e postos.
Na última quarta-feira (6), a Petrobras anunciou um aumento de 12% na gasolina de suas refinarias, que passou a vigorar na quinta-feira, 7. Foi o primeiro aumento depois de quatro meses praticamente ininterruptos de cortes, o que elevou o preço médio por litro para R$ 1,033 e reduziu a queda acumulada no ano de 52% para 46%. Essa última variação, entretanto, não foi incluída na conta, que considerou o período fechado de 1 de janeiro a 1 de maio.