A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados debateu na terça-feira, 21 de setembro, os efeitos da Medida Provisória (MP) 1.063/21, que permite que a regulamentação de novas regras para o varejo de combustíveis seja feita por meio de decreto. O debate foi sugerido pelo deputado Elias Vaz (PSB-GO). Guilherme Theophilo, CEO do Instituto Combustível Legal (ICL), também participou da audiência pública extraordinária e virtual.
Atualmente, pelas normas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), os postos vinculados a distribuidor específico (bandeirados) são proibidos de vender combustível de outro fornecedor. Em 12 de agosto, a medida provisória acabou com isso, mas previu que a mudança só teria efeito após regulamentação pela ANP.
Posteriormente, uma nova medida provisória do Governo Federal (MP 1.069/21) decidiu que enquanto não houver a regulamentação pela ANP (o prazo vai até novembro), valerão as regras previstas em decreto. No dia 14 de setembro, foi publicado o Decreto 10.792/21, que obriga os postos a identificar de forma “destacada e de fácil visualização” a origem do combustível vendido.
Críticas ao delivery de combustíveis e à venda direta de etanol
Também foram temas de debate a proposta para abertura do serviço de delivery de combustíveis divulgada este ano pela ANP e a venda direta de etanol aos postos.
Theophilo criticou algumas das medidas. “A liberação da venda por agentes não capacitados pode elevar os custos de fiscalização e facilitar a sonegação”, afirmou. Segundo ele, os órgãos públicos sofrem grandes reduções de orçamento e enfrentam dificuldades para fiscalizar o mercado.
“O delivery de combustíveis oferece riscos à segurança, ao meio ambiente e, provavelmente, não reduzirá preço”, afirmou o CEO.
Valéria Lima, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), abordou, entre outras questões, a tributação e os preços do mercado. Segundo ela, o setor já tem uma cadeia “bastante aberta e competitiva”.
“Somos favoráveis à venda direta, mas é importante que toda a sociedade brasileira tenha claro que o impacto em preços é incerto e será pontual”, afirmou, apontando que a produção de etanol se concentra em poucas áreas do país e que a maioria dos postos deve continuar recebendo o produto por meio das distribuidoras.
Segundo Lima, a MP 1.063 é contrária ao PL 3.887, que traz a monofasia (unificação dos impostos em uma só alíquota) como premissa. “O próprio Governo Federal tem um projeto de lei que traz a monofasia para o PIS/Cofins e essa MP está indo na contramão”, criticou.
Fecombustíveis contesta medidas
Paulo Miranda Soares, presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), um dos participantes da audiência, conversou com o ICL sobre os temas do debate. Segundo ele, a MP 1.063/21 e o decreto “são medidas que não vão resolver o problema” do preço, por serem de difícil execução.
“Não enxergo possibilidade de baixar preço, a não ser que haja uma reforma tributária”, concluiu. Ele destaca que 48% dos postos do Brasil já são de bandeira branca (não precisam vender apenas uma marca) e, por isso, já seriam responsáveis por fomentar a concorrência.
Soares afirma que os consumidores não deverão sentir fortemente as alterações, já que os postos bandeirados têm contratos de fidelidade e “não podem simplesmente botar duas bombas bandeiras brancas embaixo da cobertura”.
Diante de possíveis confusões que os consumidores podem fazer em relação à origem dos combustíveis, ele recomenda o hábito de guardar a nota fiscal, além de ligar para o serviço gratuito de denúncia da ANP (telefone 0800 970 0267).
“Nossa maior preocupação com relação à MP é o delivery de combustíveis”, prossegue Soares. De acordo com ele, a autorização para que os postos entreguem combustível “de porta em porta” é uma “temeridade”, pois o Governo Federal não teria competência, nem pessoal suficiente para fiscalizar o serviço.
Sobre a emenda à MP proposta pelo deputado Kim Kataguiri, para que o país adote bombas de autoatendimento nos postos, ele diz que uma lei que protege os frentistas do país precisaria ser revogada (Lei nº 9.956/2000, de autoria do deputado Aldo Rebelo). Além disso, destaca, o tema precisaria de “muita negociação no Congresso”, visto que o país tem cerca de 500 mil profissionais trabalhando nessa função.
Condições para a venda direta de etanol
A MP 1.063/21 prevê permissão para que o produtor ou o importador possa, facultativamente, comercializar etanol hidratado diretamente com os postos de combustíveis, e que o transportador-revendedor-retalhista (TRR) possa comercializar etanol hidratado.
“Essa é a única proposta dentro da MP que a gente concorda integralmente”, avalia Soares, defendendo que a medida só funcionará se todos os impostos forem recolhidos na distribuição e no fornecedor. “Vai depender do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]”. Entretanto, ele acredita que a medida é limitada e só funcionaria em estados que concentram muitas usinas, no Nordeste do país.
Ex-conselheiro do Cade analisa as medidas propostas pela MP
Em entrevista ao ICL, Cleveland Prates, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), professor da FGVLaw e da Fipe-USP, comentou as medidas propostas pelo Governo Federal.
Sobre a autorização para vendas de marcas diferentes nos mesmos estabelecimentos, ele afirma que a proposta não é nova e faz parte de um conjunto de medidas propostas pelo Cade, já discutidas dentro do governo. “Existe uma série de questões técnicas que precisam ser pensadas e que podem demandar tempo para que essa decisão seja colocada em prática”, ponderou.
Segundo ele, “caso a ANP tenha sido atropelada de fato”, caberia à agência, por meio de decisão de seu Conselho e atuação de sua Procuradoria, questionar o Decreto no judiciário. “Em tese, é um órgão de Estado, e não de governo, para garantir sua independência decisória. Seus diretores têm autonomia decisória e garantia no cargo exatamente para isso. Mas repito, não sei o que houve nesse processo dentro do governo”, disse o professor.
Sobre a possibilidade de abertura para novas irregularidades, ele chama atenção para os problemas estruturais que precedem a MP. “Se o problema existe na fiscalização e na punição do combate à sonegação e a atitudes desleais por parte de competidores [concorrência desleal derivada da sonegação], precisamos mudar a lei, tornar o judiciário mais ágil e fazer com que o procedimento de fiscalização da ANP seja mais efetivo e coordenado com o próprio Ministério Público e Judiciário”, defendeu.
Segundo Prates, o diálogo do governo com a sociedade, inclusive com MP e Judiciário, seria fundamental para avançar no objetivo de gerar mais concorrência, sem criar novos problemas relacionados à sonegação e concorrência desleal.